Artigo: O preço da prontidão
Há pouco, o dr. Roberto Pelegrini Coral — que já esteve à frente do HPS — me lembrou da origem histórica deste hospital: uma escolha da cidade. Porto Alegre optou por ter um hospital exclusivo para urgências. Foi o primeiro da América Latina nesse modelo.
De lá para cá, seguiu inovando: criou a primeira UTI de Trauma Pediátrica do paÃs, formou gerações de profissionais com a primeira residência médica em emergência do Brasil e segue como referência absoluta no cuidado ao trauma. Funciona 24h por dia, com atendimento gratuito, igualitário e de alta complexidade. Independente da classe social, a frase mais ouvida ainda é: "Se acontecer algo grave, me leve para o HPS."
Mas essa prontidão tem um preço alto.
O HPS nasceu em 1944. O SUS, em 1990. Hoje, as tabelas de financiamento da saúde pública não acompanham a complexidade nem o custo real do atendimento em trauma. A operação permanente exige equipes completas, estrutura tecnológica de ponta e resposta imediata. Salvar uma vida depende de tudo isso — e de um financiamento que reconheça essa realidade.
Estamos falando de um hospital que funciona como os bombeiros: sempre pronto para o chamado, mesmo quando ninguém espera precisar. Mas o custo de manter essa prontidão é constante — e crescente. Exige treinamento contÃnuo, equipes multidisciplinares e tecnologia de ponta.
A prefeitura tem mantido a estrutura operando, mas o financiamento via SUS é insuficiente. Contamos com incentivos que podem ser retirados a qualquer momento, sem aviso ou justificativa. Em muitos casos, o municÃpio arca com um percentual bem maior do que prevê o pacto federativo. Isso não é sustentável.
Precisamos pensar em soluções. Estados como São Paulo e Santa Catarina criaram tabelas estaduais complementares para procedimentos de alto custo. Isso é reconhecer, na prática, o valor da prontidão — não apenas em discursos, mas no orçamento.
Ao HPS não falta gestão. Falta financiamento.
Garantir a sobrevivência do hospital é uma escolha entre salvar vidas ou correr o risco de perdê-las. Saúde de verdade não pode ser considerada um luxo ou uma despesa ajustável. É um direito — e deve ser prioridade.
Tatiana Breyer
CEO do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre
Artigo publicado na edição de 16 de maio no jornal Zero Hora
Lissandra Mendonça