Escola Paulo Freire realiza o sonho de alunos por uma profissão
Todas as sextas-feiras, as salas de aula do Centro Municipal de Educação do Trabalhador, o Cmet Paulo Freire, escola exclusiva para Educação de Jovens e Adultos no Ensino Fundamental (EJA), no bairro Santana, se transformam em barbearias e salões de beleza experimentais. É ali que alunos como Raphaela da Conceição, 15 anos, moradora da Restinga, e Leandro de Oliveira, 18 anos, residente no também distante bairro Mario Quintana, estão tendo a oportunidade de realizar seus sonhos, ganhar uma profissão e o principal: renda para si e suas famílias e assim poder continuar a escolarização.
Junto a eles estão sendo construídos sonhos de mais cerca de cem estudantes do Cmet, jovens que se encontram em distorção idade-série e que dependem da escola pública, distribuídos em seis turmas de ensino profissional na área da estética: Corte, Barba e Cabelo; Manicure; e Maquiagem, todos em nível básico e avançado. De acordo com o diretor do Cmet, Paulo André Passos de Mattos, todas as turmas têm adolescentes que vivem acolhidos em abrigos. No total, eles somam 150 estudantes no Cmet. O projeto foi desenvolvido primeiramente com foco em suas necessidades, já que eles precisam deixar o abrigo aos 18 anos, na grande maioria das vezes sem a escolarização completa ou atividade profissional definida.
Os seis professores responsáveis são do Senac, o grande parceiro do projeto junto com o Ministério Público do Trabalho, que disponibiliza os recursos, provenientes de multas trabalhistas, com a chancela da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Não apenas as aulas são gratuitas, mas todo o material e as passagens de ônibus para os deslocamentos. Ao final dos cursos – no total de 80 horas -, todos recebem um kit básico para iniciar na profissão com todos os instrumentos necessários: tesouras, cortadores de cabelo, esmaltes, alicates, unhas postiças, cremes e muito mais. No próximo semestre, entrará ainda o curso de corte de cabelo pediátrico feminino.
“O aluno sai daqui pronto para o mercado de trabalho, pois 95% das aulas são práticas. Temos encontros aos sábados e nos tornamos modelo para outras instituições, conforme avaliadores do próprio Senac”, orgulha-se o diretor do Cmet. “Montamos o projeto de olho nos alunos em situação de risco e estamos conseguindo transformar as vidas desses jovens, pois a maioria se encontra na tênue linha entre o mundo do tráfico e outras possibilidades. Desde o ano passado, quando começamos, até hoje, tivemos apenas três desistências. Sem falar na melhora que o curso profissional traz para a organização nos estudos”, atesta o diretor.
Das primeiras turmas de Manicure, por exemplo, a professora do Senac Sônia Oliveira, há 28 anos na área e referência no Estado nesse tipo de capacitação, confirma que pelo menos 12 meninas se mantêm trabalhando e obtendo renda. Sônia exibe com orgulho o trabalho de sua melhor aluna, Tainá Azevedo, 22 anos e estudante do 9º Ano, cujo transtorno intelectual não impede a dedicação e o capricho.
Leandro, do 8° Ano, já tem clientes em sua comunidade, fazendo cortes em domicílio, e vem garantindo uma renda mensal de pelo menos um salário mínimo e meio. Raphaela, 9º Ano, também já ensaia cortes na família e assegura que vai fazer todos os cursos que puder na área da estética, como depilação, tinturas etc, concomitantemente com o Ensino Médio. “Sempre foi meu sonho. Meu pai já prometeu que vai me ajudar a montar um salão”, conta. Cerca de 200 estudantes do Cmet já se formaram nos cursos do Senac na própria escola.
Nova dinâmica - O projeto de ensino profissional em parceria com o Senac – pioneiro no país ao ser sediado dentro da escola - não é o único que movimenta as sextas-feiras no Cmet. Nesse dia, toda a organização formal da escola se desfaz para dar lugar a um ambiente de novas experiências, múltiplo e dinâmico, proporcionando novas habilidades e conhecimentos.
Como explica a vice-diretora, Rosane Pereira, são diversos os objetivos, desde trabalhar a perspectiva de futuro e a autoestima do aluno até a oferta de um caminho para a geração de renda e profissionalização. No total, o Cmet tem 1.053 alunos, sendo que o mais novo tem 15 anos e o mais velho, 97.
“A necessidade de trabalhar para subsistência é o principal motivo do abandono da escola e por isso precisamos pensar em alternativas para que o aluno se mantenha estudando”, diz Rosane. “Tínhamos uma escola vazia no último dia da semana, em razão das faltas, motivadas pelo cansaço e desinteresse. Tomamos como um desafio alterar esse cenário”, salienta o diretor. “Hoje, no lugar de meia dúzia de estudantes, circulam pelo prédio mais de 300 alunos nas sextas-feiras”, comemora.
Vivências e pesquisa científica – Paralelamente ao projeto junto ao Senac, a sexta-feira envolve ainda dezenas de atividades extracurriculares orientadas pelos próprios professores do Cmet e por universitários da Uergs, oriundos do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid), e Ufrgs, por meio da Extensão Universitária.
Além de proporcionar outras habilidades e conhecimentos que também são importantes para o mundo do trabalho, os encontros buscam fortalecer os vínculos entre alunos e professores e assim incentivar o acesso e a permanência na escola. Ao trabalhar a pesquisa e a iniciação científica, as oficinas acabam por aproximar os estudantes da universidade. A idéia é mostrar aos estudantes que é possível ingressar no ensino superior mesmo sendo um aluno de EJA.
Nessas modalidades, são oferecidas aulas livres e oficinas de música, jogos lógicos, xadrez, esportes diversos, fuxico, produção de texto, cinema, literatura, ciências naturais, entre outras. Com 18 alunos e turmas nos turnos da manhã e tarde, a oficina para o estudo de plantas e confecção de mudas fez até com que o pequeno pátio do Cmet tomasse proporções de um espaço verde.
Rui Felten